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Uma breve história de The Binding of Isaac

Num texto anterior já tinha feito referência à minha paixão por rogue-likes e rogue-lites, devido à minha histórica limitação de hardware. Apesar disso não ser o suficiente para desenvolver esse gosto, o jogo que acendeu essa chama foi a primeira versão do The Binding of Isaac, lançado em 2011, nessa altura tinha 13 anos e até ao dia de hoje, não há uma semana que passe sem pegar durante algum tempo uma versão deste jogo.

Em antecipação do lançamento da última expansão, Repentance, de The Binding of Isaac: Rebirth, a sequela do já referido jogo – e inspirado por um conjunto de entrevistas do seu criador, Edmund McMillen – decidi explorar a história do melhor indie game de sempre e um dos melhores jogos alguma vez criado, esta é uma breve história de The Binding of Isaac.

Parte I – The Binding Of Isaac

Dia 20 de outubro de 2010, Edmund McMillen e Tommy Refens lançaram o extremamente popular e desafiador platformer Super Meat Boy. Edmund já desenvolvera três jogos antes deste, mas este último foi o que o cimentou como um colosso no mundo de jogos indie, por isso, os fãs de jogos independentes permaneceram atentos e cheios de antecipação quanto aos projetos seguintes do, na altura, criador de jogos de trinta anos.

Então, no dia de 28 de setembro de 2011 foi lançado o que é conhecido hoje em dia como Flash Isaac, um action roguelike que se tornou num clássico instantâneo. Edmund procurava criar um jogo que juntasse qualidades de jogos que amava e construíram a sua infância, sendo estes Rogue, DnD e MtG, contribuindo a boa capacidade de controlos de jogador e um pouco de sorte para o sucesso do jogo.

Na altura, o jogo foi extremamente bem recebido e se forem hoje verificar as suas avaliações na steam, este está pontuado com 10/10, com quase 37500 análises. Este chegou mesmo a ter alguma viralidade no YouTube, tendo criadores de conteúdos como PewDiePie, entre outros, feito um vídeo sobre o tema, conteúdo esse que hoje tem mais de três milhões de visualizações e que levou a alguns Youtubers a produzir mais material baseado no jogo. Este fenómeno conduziu a criação das subsequentes sequelas do jogo que têm vindo a ser desenvolvidas, gerando novo conteúdo, até os dias de hoje.

Embora superficialmente pareça um jogo catchy, com temas adultos, satânicos, religiosos e genericamente macabros, a ideia de McMillen é bem mais profunda: o criador queria capturar a precessão de uma pequena criança de cinco anos numa situação traumática e como esta, sem apoio emocional, poderia sofrer danos irreversíveis. Este tema terá sido inspirado num jovem Edmund enquanto passava pelo divórcio dos seus pais, quando este tinha a mesma tenra idade que Isaac tem no jogo.

O jogo testou os limites do Flash Engine, fazendo coisas que inicialmente ninguém pensaria sequer em criar. Durante alguns anos Edmund e a sua equipa continuaram a desenvolver o jogo, mas com a excelente receção e sabendo que com outro engine este teria muito mais para dar, chegou o tempo para voos maiores.

Parte II – Rebirth

Três anos depois do seu antecessor, saiu a tão antecipada sequela The Binding of Isaac: Rebirth. Hoje em dia, quando alguém fala do jogo, é a esta versão a que se estão a referir. A receção foi igualmente positiva, mas com o novo design polido e com a nova quantidade absurda de elementos, este teria uma barreira de entrada ainda mais baixa que a versão anterior.

Tal como a versão flash, o jogo é um 10/10 na Steam, mas este com quase 114 000 avaliações.

Hoje em dia, este jogo encontra-se quase em qualquer plataforma e, acrescentou ao original, além do novo estilo e arte mais refinada do seu criador, cento e cinquenta itens, quatro novas personagens, novas cartas, trinkets, quartos, objetos interativos, áreas secretas, apoio a controlador e multiplayer local (lembrem-se disto, que vai ser importante).

Contudo, com esta expansão começou uma pequena guerra entre o criador e os jogadores mais hardcore. Edmund queria fazer uma experiência misteriosa em que os jogadores teriam de descobrir como desbloquear certos componentes elusivos do jogo. Do ponto de vista do inventor, no formato em que ele imaginaria que o jogo deveria ser jogado, o jogador deveria disfrutar do jogo e tentar preencher a sticky note, uma folha que indica o progresso de cada personagem para chegar ao final e, durante o processo, desenterrar os mistérios escondidos. Mas a comunidade foi demasiado impaciente e data miners acederam ao código do jogo e desmistificaram-no com força bruta. E esta seria uma batalha que se iria manter para as consequentes expansões.

Parte III – Afterbirth

 A primeira expansão do jogo foi anunciada em fevereiro de 2015, que acrescentaria mais personagens, andares, inimigos, novos finais, itens e um novo modo de jogo, entre outros. Esta expansão fora lançada meses depois do anúncio, dia 30 de outubro.

E aqui continuaria a guerra entre McMillen e os data miners, mas pouco antes do lançamento da expansão, nascera a primeira filha de Edmund, e a pressão de desenvolver a nova expansão do jogo e a obsessão de “vencer” sobre os fãs, causou uma certa tensão no seu casamento, tendo se tornando este um pouco distante da família e demasiado focado no trabalho. Por isso, Edmund criou um ARG, isto é, um jogo de realidade alternativa, em que para conseguir verdadeiramente desbloquear tudo, exigira que os fãs participassem num jogo na vida real. O que incluiu chamadas telefónicas e desenterrar figurinos do jogo. Ultimamente, este foi um processo desnecessariamente custoso e, embora considerado bem-sucedido pelo criador, este nunca repetiria tal feito.

Parte IV – Afterbirth +

Edmund começara a sentir o desgaste de trabalhar no mesmo jogo durante cinco anos, por isso, em 2015, além de uma expansão, terá lançado o que o próprio descreve como “projeto de três meses”, o jogo Fingered, este não terá tido a melhor receção, pois não ia de acordo com o que os fãs esperavam. Este também começara a trabalhar no seu projeto seguinte, The End is Nigh, que viria a ter uma boa receptividade.

Agora voltando ao assunto em foco, a expansão seria a Afterbirth+, uma expansão que procuraria construir sobre o que a anterior trouxe e terminar o processo criativo do jogo. Mas este esforço terá sido o menos bem conseguido por parte de McMillen e a sua equipa. E para seu grande azar, a comunidade de jogadores crescia com ansiedade para colmatar esse sentimento. Assim, uma equipa de fãs do jogo decidiu criar um mod não oficial que iria além do que qualquer expansão traria à mesa antes. Uma equipa liderada por _Killburn, @FixItVinh no Twitter, criou The Binding of Isaac: Antibirth, que acrescentaria ao jogo duas novas personagens, mais de noventa itens, mais de oitenta inimigos, novos bosses e mais de QUATRO MIL novos quartos.

Este mod fez mais do que encher a barriga da comunidade nas semanas que antecederam o lançamento do novo DLC, ajustando inúmeras coisas que haviam sido pedindas durante anos, principalmente um novo robusto modo de co-op tão desejado, no lugar de um sistema grandemente falhado, permitindo controlar uma personagem secundária com uma fração de poder da principal, para o controlo de duas em simultâneo.

Então, quando o momento chegou, dia 3 de janeiro de 2017, Afterbirth +, foi lançado e com ele deu-se uma acolhimento aquém da habitual. McMillen reconheceu-o e prometeu acrescentar itens como Booster Packs, em que este selecionaria as melhores ideias da comunidade e as adicionaria ao jogo. Para o ajudar, McMillen recrutou a equipa por trás do sucesso que foi o mod Antibirth.

Parte V – Repentance

Edmund tomou uma pausa para se preocupar com outros projetos, como o spin-off de Isaac, The Legend of Bum-Bo, baseada numa das personagens mais amadas do jogo. Para além deste projeto, também criou e lançou o seu jogo de tabuleiro baseado na sua popular personagem, The Binding of Isaac: Four Souls.

Mas Edmund sente que após ter visto o que comunidade foi capaz de fazer com o seu jogo, que havia espaço para uma última expansão. Não obstante, Edmund ficou farto do quão fácil seria manipular o jogo de modos que ele não quereria que fossem possíveis, e os fãs sentiram que com tanta expansão, o jogo se havia tornado desequilibrado e inchado com conteúdo inútil. Então, o autor comprometeu-se a fazer um último esforço, mas, ao contrário das vezes anteriores, estaria na altura de se dedicar mais à vida pessoal, pois, neste momento, a sua filha chegou à idade canónica de Isaac e Edmund quer evitar que esta sofra com a sua ausência.

Por isso, uma vez mais com a ajuda da equipa de Antibirth, descritas como os parceiros perfeitos para materializar a sua visão, Edmund decidiu adaptar o mod para o jogo em definitivo, além de acrescentar ainda mais conteúdo, usando ideias que tinha guardadas para uma sequela do jogo. E esta promete ser a forma definitiva de Isaac: um single player indie que passou por 7 anos de desenvolvimento.

Parte VI – Pós-Isaac

McMillen agora espera finalmente ter o merecido descanso da sua grande criação e tem como próximo projeto o desenvolvimento de uma nova expansão do seu jogo de tabuleiro. Espera, ainda, nos próximos anos criar mais jogos pequenos com curtos períodos de desenvolvimento e lançar o seu próximo grande jogo, Mew-Genics. Quanto ao futuro de Isaac, Edmund quer deixar o jogo respirar e diz que vai voltar para fazer uma sequela, mas não espera pensar no assunto para os próximos cinco anos.

E assim termina um longo capítulo de um dos melhores indie game alguma vez criados, e do rogue-like que abriu a porta para tantos outros grandes jogos. Que seja um final feliz e o que todos merecem.

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Alexandre Brito

Alexandre Brito

Cargo: Senior Game Reviewer (Indie)
Naturalidade: Rio Tinto

Licenciado pelo ISEP em Engenharia Eletrotécnica de Sistemas Elétricos de Energia. Atualmente no Mestrado em Engenharia Eletrotécnica e de Computadores.

Tenho uma certa afinidade a jogos indie, inicialmente devido a limitações de hardware, mas o gosto nunca desapareceu. Também sou um grande amante de cinemas. Em geral uma apreciação e curiosidade por coisas novas.